sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Pôr-do-Sol no Pacífico

Saudades de Valparaiso...

sábado, 17 de outubro de 2009

Referências etílicas (ou como sobrevivi a 16 daiquiris!)


O "El Floridita", em Havana, é um desses bares que nos cativam tanto que é quase impossível sair de lá... inteiro! Após uma longa caminhada por "La Habana Vieja", entrei no "El Floridita" por volta das 11 horas da manhã, louca para experimentar seu famoso (e delicioso) daiquiri. Sentei-me no balcão, ao lado da estátua de Hemingway. E pedi um daiquiri, depois outro, e mais outro... sempre brindando com Hemingway. Quando me sentei para almoçar, no próprio restaurante do "El Floridita", por volta das 4 horas, já tinha tomado 16 daiquiris! Concluí que já havia bebido daiquiri demais e pedi uma meia garrafa de vinho para acompanhar o almoço.




Saí de lá "trançando" as pernas", mas, felizmente, já havia um táxi a minha espera, na porta do bar. Fui direto para o hotel e dormi até as 10 da noite. Acordei faminta, sem nenhuma ressaca, e passei o resto da noite (e da madrugada) tomando mojito em um dos bares do Hotel Nacional (ao lado), em companhia de uma chilena e de um mexicano que também estavam hospedados lá.

Memórias cubanas

Como já mencionei em outro 'post', minhas viagens sempre seguem um roteiro histórico-etílico-religioso, não necessariamente nessa ordem. Cuba, onde estive há quinze anos, foi uma exceção. Não visitei igrejas ou quaisquer outros templos religiosos. Em compensação, conheci escolas e hospitais, levada por meus amiguinhos cubanos: três estudantes, com idade entre 10 e 12 anos, que se ofereceram para me "guiar" pelas ruas de Havana em troca de sorvete e outras guloseimas (e da "antecipação" dos capítulos da novela brasileira então exibida em Cuba... rs). Por que escolas e hospitais? Porque ali, segundo eles, estava o verdadeiro sentido da Revolução: educação e saúde de qualidade para todos!

Eu não poderia ter escolhido "guias" melhores. Nos três ou quatro dias que estivemos juntos, sempre no período da tarde, após as aulas, aprendi muito com aqueles meninos... Em certa ocasião, enquanto caminhávamos por Havana, senti sede, e os convidei para um refresco no bar de um hotel próximo de onde nos encontrávamos. Quando estava fazendo o pedido para o garçom (uma cerveja para mim e um refrigerante para cada um deles), o mais velho dos meninos me interrompeu e disse que um único refrigerante bastaria para os três, aparentemente preocupado com o "gasto excessivo" que eu teria. "Estamos acostumados a dividir", afirmou o garoto, ao que respondi: "Entendo, mas hoje não é necessário dividir". E fiz sinal ao garçom para que trouxesse os três refrigerantes. Quando estava indo embora, o garçom comentou que, no sábado seguinte (era uma quinta-feira), haveria uma festa para as crianças na piscina daquele hotel e que, se eu quisesse, poderia levar os meninos, mediante o pagamento de uma taxa, equivalente ao valor de um lanche. Os olhos dos meus jovens amigos brilharam; eles nunca haviam nadado em uma piscina! Combinamos que, se os pais deles permitissem,    eu os levaria à festa.

No dia seguinte, um deles telefonou para avisar que poderiam ir e que me encontrariam no sábado de manhã, na porta do meu hotel. No sábado, no horário combinado, lá estavam os três, à minha espera. Em suas sacolas de pano, carregavam calções de banho e toalhas. Fomos para o hotel da festa e, durante três ou quatro horas, eles se esbaldaram na piscina. De tempos em tempos vinham até minha mesa dizer que estavam muito felizes e para agradecer pela diversão. Quando o garçom trouxe o lanche (que fazia parte do "pacote" da festa), presenciei uma das cenas mais comoventes de minha vida. Um dos meninos pegou metade de seu lanche (um misto frio de presunto e queijo) e embrulhou num guardanapo. "Você não está com fome"?, perguntei. "Sim, estou. Mas vou levar esse pedaço para meu irmão, ele nunca comeu pão com presunto!" Tive vontade de chorar, mas me contive. E entendi naquele momento por que dias antes, ao passear pelo Malecón, meus jovens guias me fizeram mudar de calçada quando nos aproximamos da Embaixada dos Estados Unidos. Eles perdoavam tudo, menos o maldito embargo econômico! Por onde andarão aqueles meninos?

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

De pijama no Café de Flore




Ah, o Café de Flore... Perdoe-me, Tetê, mas eu vou ter que contar o que se passou naquela noite gelada do inverno parisiense... (rs) Após um dia exaustivo na Eurodisney, eu e minha filha fomos para o hotel onde estávamos hospedadas, na rue St. Benoit, ao lado (literalmente) do Café de Flore. Ela tomou um banho quente, colocou o pijama e fez um lanche reforçado ali no quarto mesmo. Dei uma aspirina, para ajudar a relaxar, e a coloquei na cama. “Agora você fica aí, quietinha, e tenta dormir. A mamãe vai ao Café de Flore tomar um vinho e volta logo.” Assim que ela adormeceu, tranquei a porta do quarto e saí.
Como o salão principal do Café de Flore estava um tanto barulhento naquela noite, sentei-me em uma mesinha na área externa, devidamente protegida do frio por amplas janelas de vidro, de onde podia observar o movimento tanto da Rue St. Benoit quanto da Boulevard Saint-Germain. Pedi uma taça de bordeaux, acendi um cigarro e fiquei ali, observando a neve que caía e “conversando” com os fantasmas de Sartre e Simone de Beauvoir. Uma hora e meia depois, quando já me preparava para sorver a terceira taça de vinho, ouço alguém batendo na janela de vidro. Olho para o lado, e quase não acredito no que vejo. Era ela, minha filha (então com 10 anos), de pijama, gorro e, naturalmente, tremendo de frio! Uma perfeita “homeless”... (rs)

Fiz sinal para que ela entrasse no café e viesse até minha mesa, sob o olhar estupefato do sisudo garçom e dos demais clientes. O que ela fez, aliás, sem nenhum constrangimento, com a naturalidade típica das crianças, a quem, aparentemente, tudo é perdoado – inclusive entrar de pijama no elegante Café de Flore. “Mamãe, eu sonhei com o trem fantasma do parque e acordei assustada”, disse-me ela, enquanto nos abraçávamos. “Está tudo bem, querida, mas nunca mais saia num frio desses sem casaco, OK? Você pode pegar um resfriado”. Ela se sentou ao meu lado e  pediu, em francês, um chocolate quente ao garçom. Logo depois eu pedi a conta e voltamos para o hotel., abraçadinhas Até hoje, passados quase cinco anos desse episódio, damos boas risadas ao lembrar do ocorrido!

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Referências gastronômicas


Cebulowa z Grzyb, a tradicional (e deliciosa) sopa de cebola polonesa.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Saúde do santo ou moral do demônio?



Artigo da psicanalista Patricia Porchat*, publicado na edição de outubro da revista Mente & Cérebro. Excelente!

Em resposta a alguém que lhe perguntou em certa ocasião qual era o significado simbólico de um charuto, Sigmund Freud respondeu que, às vezes, um charuto é apenas um charuto. Mas podemos acrescentar que, justamente por ser um charuto apenas “às vezes”, há situações em que representa algo distinto. Na mitologia do próprio charuto ele já foi, por exemplo, símbolo do poder, o que, em termos psicanalíticos, pode ser chamado de “símbolo fálico”. Transportando essa questão para os dias de hoje, o que representa o cigarro na recente discussão acerca de sua proibição em locais públicos?

Em agosto entrou em vigor a lei antifumo em São Paulo com a promessa de ser igualmente implantada em outros estados. O argumento principal dos criadores da legislação é que muitos fumantes passivos – aqueles que sofrem os efeitos do fumo por exposição à fumaça do cigarro dos fumantes ativos – desenvolvem câncer de pulmão. Está comprovado o fato de haver um elevado número de mortes por esse motivo.

Uma primeira representação para o cigarro – aquele que mata – pode ser a de uma arma. Podemos usar nossa imaginação e dizer que, antes da lei antifumo, o fumante (ativo) seria, no máximo, acusado de homicídio culposo. Tratava-se de um delito provocado pela falta de cuidado objetivo do agente, imprudência, imperícia ou negligência. No entanto, não há a intenção de matar. Mas agora a coisa mudou.

Com a proibição de fumar para não espalhar sua fumaça-veneno (também podemos atribuir símbolos à fumaça), o cigarro-arma se tornaria a prova de um crime pior: o homicídio doloso. Este consiste na vontade livre e consciente de assassinar alguém. Por isso, a implementação da lei antifumo se faz acompanhar de um sistema de denúncias. O fumante-assassino deve imediatamente ser interceptado para não causar danos a outrem. Mas o cigarro também representa o prazer. O próprio ato de fumar é prazeroso, dizem os fumantes. Acalma a ansiedade para alguns, é estimulante para outros. Também existe o cigarro depois da comida, do café e do sexo, que atua como complemento. Revela um prazer que se prolonga. Reafirma a satisfação obtida, pois tem valor de uma confirmação: “...sim, foi bom para mim”. Para muitos fumantes, acender um cigarro é um ritual em que corpo e espírito se encontram: prazer do corpo e simbolização desse prazer (no espírito) por meio do rito.

Curiosamente, a lei antifumo permite o cigarro em cultos religiosos, mesmo em ambientes fechados, desde que isso faça parte do ritual. Há que perguntar aos praticantes do culto o que o cigarro ou o charuto simbolizam naquele contexto. Afinal, por que seria mais legítimo do que o ritual particular de cada um na vida cotidiana?

Outra curiosidade é a permissão para fumar nas áreas a céu aberto nos estádios de futebol. O cigarro tem aí um poderoso efeito de acalmar a ira e a expectativa dos torcedores. É o “sossega-leão”: funciona como calmante. Mas, se o time querido marcar um gol... também se pode acender um cigarro-prazer e reafirmar a alegria do momento.

Nos ambientes de trabalho, mesmo que existam áreas abertas e jardins, não se pode fumar. Dizem que a fumaça se espalha e atinge os fumantes passivos. Talvez se espalhe de modo diferente, do modo como se propaga no estádio de futebol. A catarse coletiva justificaria o prazer. O trabalho, não. O cigarro-prazer, se fumado no ambiente de trabalho, enfrentaria a lei que parece dar um recado: a nossa sociedade exige produtividade. Onde há trabalho, não deve haver descanso. Mas existe – ou melhor, existia – também o cigarro-escape. Se o cigarro-charuto representa o poder,proibi-lo é uma forma de impedir a recuperação da autoestima. Sentir tensão, pressão ou sofrer humilhação (situações comuns em ambiente de trabalho) exige um recuo emocional, uma espécie de rearmamento. O cigarro-escape era também um cigarro-enfrentamento.
Cabe à União editar normas “gerais” sobre temas ligados à saúde. Estados e municípios editam normas complementares. Independentemente da questão que se coloca sobre a autonomia dos estados e municípios para estabelecer regras mais duras do que aquelas que foram ditadas pela União, devemos atentar para o fato de que alguém legisla sobre nossos corpos e nossos hábitos. “Biopoder” é o termo criado pelo filósofo e historiador francês Michel Foucault (1926-1984), na década de 70, para referir-se à prática dos Estados modernos de desenvolver um número sem igual de técnicas destinadas à subjugação dos corpos e ao controle das populações.

A transformação radical dos comportamentos por meio da abrupta imposição de novas regras não deveria ser exigida sem uma discussão prévia acerca do significado individual e coletivo desses mesmos comportamentos. O que significa o cigarro? O que significa fumar? Não se pode impunemente elencar comportamentos aceitáveis ou inaceitáveis a partir de uma moral do bem e do mal estabelecida com base no que se considera saudável, ou não, exclusivamente do ponto de vista biológico.

O problema que se coloca não é apenas o da luta pela saúde, mas o da maneira pela qual se exerce o poder. Como e em nome do que esse poder é exercido? Fazer proibições em nome da saúde de absolutamente todos é um equívoco denunciado por Foucault. É uma forma extremamente sutil e, por que não dizer, perversa, de instalar o poder. Autoridades da lei antifumo têm dito que o fumante não foi impedido de exercer sua liberdade individual, pois, afinal, ele pode beber, comer, dançar e depois, prazerosamente, fumar... dentro de sua própria casa. Um presidiário pode fazer o mesmo em sua cela. Diríamos que ele está exercendo a sua liberdade individual?

Consideremos a necessidade de evitar que os fumantes passivos desenvolvam sérios problemas pulmonares e venham a falecer. É legítimo buscar a saúde dessas pessoas e intervir de modo a atingir esse objetivo. É igualmente legítimo possibilitar que eles circulem por áreas amplas e não sejam constrangidos a conviver com fumantes. Mas a recíproca é verdadeira. Poderia haver bares, restaurantes, cafés, boates e jardins para um grupo e para outro. Se os “não fumantes” são maioria, que existam mais estabelecimentos e áreas próprias a eles. Caberia aos donos desses lugares optarem por sua clientela. Caberia ao governo criar incentivos para que alguns estabelecimentos garantissem exclusividade para “não fumantes”.

A saúde da moral ficaria assim garantida em vez de querer fazer prevalecer a moral da saúde, em que saudável seria igual a “bom” e “não saudável” equivaleria a “mau”. O risco de a medicina tomar o lugar da Igreja Católica em relação aos preceitos morais foi denunciado há muito tempo. Isso não significa que a própria medicina e mesmo a população tenham se dado conta disso. É fundamental entender que a saúde não compreende apenas o organismo, mas que necessariamente leva em conta a mente que representa, simboliza e dá significado aos fatos do corpo. Essa, sim, é uma percepção saudável de si mesmo e da vida em sociedade. Em tempo: não sou fumante.

(*) Patricia Porchat é psicanalista, doutora em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo (USP) e professora da Universidade Paulista (Unip)