segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Росси́йская Федера́ция. Do you speak english? “Niet”

Como já mencionei anteriormente, o turismo na Rússia ainda é muito incipiente. Mesmo nos principais “pontos turísticos” de Moscou e São Petersburgo – como a Praça Vermelha, o Kremlin, a Galeria Tretriakov, o Museu Hermitage, a Fortaleza de São Pedro e São Paulo, entre outros –, cruzei com pouquíssimos turistas. Alguns portugueses, alguns franceses, alguns asiáticos... (a foto ao lado foi tirada por uma jovem francesa; a foto em que eu apareço diante do Hermitage, no outro post, foi tirada por um tailandês). Com exceção de alguns jovens casais mochileiros, a maioria seguia o guia de alguma excursão. Sim, porque, com exceção dos mochileiros, a maioria das pessoas prefere viajar em grupos para a Rússia, devidamente “empacotados” por alguma agência de viagem.

(Não é o meu caso. Embora não seja exatamente uma mochileira – primeiro, porque a minha bagagem nunca cabe em uma única mochila; segundo, porque prefiro o conforto e a privacidade de um quarto “exclusivo” de hotel –, tenho o espírito “mochileiro”. Gosto de me aventurar e de fazer meu próprio roteiro – e de preferência sozinha, com a cara, a coragem e, naturalmente, com o cartão de crédito no bolso, porque, cá entre nós, sem dinheiro a gente não chega a lugar nenhum.)

Voltando à Rússia, nos lugares turísticos em que estive, a maioria dos visitantes era do próprio país (a julgar pelas conversas entreouvidas ao meu redor). Como os russos falam com um sotaque semelhante aos dos portugueses, muitas vezes eu me confundia, achando que estava diante de representantes de nosso país-irmão. Que nada! Bastava aguçar um pouquinho o ouvido para perceber que era russo mesmo...

Toda essa digressão só para dizer que, na Rússia, o inglês é tão útil quanto o português! (rsrs) É claro que, nos hotéis, muitos funcionários – principalmente os que lidam diretamente com os hóspedes – falam inglês, a exemplo do que ocorre nos museus e em outros pontos turísticos. O mesmo se observa em grandes restaurantes e lojas.

Mas essa não é a regra geral. Ao contrário. Fora do restrito circuito turístico, constatei que poucas pessoas falam inglês na Rússia. O que pode ser atribuído ao turismo ainda incipiente. Ou não: de repente, apesar da acelerada “ocidentalização” do país, os russos ainda não dão tanta importância ao idioma inglês como os outros povos...

Durante minha viagem àquele país, abordei dezenas de russos (principalmente nas ruas e nas estações de trem e metrô):

Pajálsta, vy govoritye po-anglijski?” (por favor, você fala inglês?)

E nove entre cada dez russos abordados diziam, em alto e bom som: “nyet” (não). E eu me despedia com o simpático “spasibo” (obrigado).

Mas o fato é que, mesmo sem falar ou compreender inglês, os russos que abordei em busca de informações foram, em sua grande maioria, extremamente solícitos. Eu mostrava o mapa, gesticulava, e eles me indicavam o caminho ou o lugar procurado. No imenso e deslumbrante metrô de Moscou, onde me “perdi” dezenas de vezes (uma vez que todas as placas estão em cirílico, esse alfabeto indecifrável), as pessoas chegavam a me pegar literalmente pelo braço para indicar o trem ou a direção que deveria tomar. Sem falar inglês.

“Do svidaniya” (ou até logo)

domingo, 30 de agosto de 2009

Henry Moore em Berlin

 Butterfly (Tiergarten)


The Archer (Neue Nationalgalerie)







sábado, 29 de agosto de 2009

Degas

Há muita coisa de Degas no Hermitage. E não só "bailarinas".

Abaixo, "Interior com Duas Figuras". É lindo, não?

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Grandiosidade e exuberância

Considerado o maior rival do Louvre em grandeza física e exuberância artística, o Museu Hermitage, em São Petersburgo, tem um acervo tão gigantesco, mas tão gigantesco (são 3 milhões de obras de arte, dos quais “apenas” 20% estão em exposição) que os russos costumam dizer que, para conhecer tudo, o visitante levaria pelo menos 11 anos (isso se gastasse um minuto para olhar cada item exposto, o que é impossível, dada a grandiosidade das obras).

Com 1.057 salas e 117 escadarias, o museu é sediado no antigo Palácio de Inverno, a residência oficial dos czares. Começou a ser construído em 1754 e ganhou ampliações e anexos ao longo do tempo, acabando por se constituir num complexo de cinco edifícios que se interligam, ao longo do rio Neva. A coleção de arte compreende os três andares do edifício principal, o Palácio de Inverno propriamente dito, e os dois andares do Pequeno e do Grande Hermitage.

Visitar o Hermitage – patrimônio arquitetônico e artístico mundial – é passear pela história de vários séculos de arte. Da Arte Pré-Histórica e Cultura da Antigüidade à Arte da Europa Ocidental, passando pela Cultura Russa e Arte Oriental. Isso sem falar no acervo de arsenais e numismática. Na pintura e escultura, por exemplo, tem Renoir, Rubens, Da Vinci, Rembrandt, Matisse, Picasso, Gauguin, Van Gogh, Ticiano, Dürer, Monet, Van Dyck, Canova, Falconet, Rodin... 

É obra demais, e tempo de menos para apreciá-las. E olha que, ao contrário de outros grandes museus da Europa, não há filas - seja para entrar, seja para ver as obras mais "concorridas". Na verdade, o número de visitantes é bem menor que o de outros museus mais conhecidos, como o Louvre e o Prado, sendo que o idioma mais ouvido lá dentro ainda é o russo. Seja pela distância (a Rússia é longe, muito longe...), seja pelas barreiras impostas à entrada de visitantes estrangeiros (a obtenção do visto exige uma boa dose de paciência), o fato é que o turismo na Rússia é muito incipiente. Falarei sobre isso depois.  

Durante minha estadia em Petersburgo, visitei o Hermitage duas vezes. E foi pouco, muito pouco (embora estivesse hospedada a duas quadras do museu). E visitaria uma terceira vez se, por uma questão logística, não tivesse sido obrigada a antecipar em um dia minha viagem à Varsóvia, de modo a chegar na capital polonesa na data prevista inicialmente. Mas essa é uma outra estória...

Fotos do Hermitage.








quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Proibições e exceções

Não vou questionar a pesquisa Datafolha sobre a famigerada lei antifumo.

Primeiro, porque pesquisa é pesquisa, e eu não tenho por que duvidar do resultado – embora, particularmente, tenha dúvidas sobre a isenção desse instituto em questões que dizem respeito ao tucano José Serra (o Datafolha pertence à Folha, que, como se sabe, é Serra da “primeira à última linha”).

Segundo, porque o fato de a maioria (inclusive os fumantes) dos dois mil e pouco entrevistados se declarar favorável à nova lei não a torna menos fascista.

Exemplos? Em seu artigo 5º, a lei estabelece, por exemplo, que “qualquer pessoa poderá relatar ao órgão de vigilância sanitária ou de defesa do consumidor da respectiva área de atuação fato que tenha presenciado em desacordo com o disposto nesta lei”.

Ora, à medida que incentiva expressamente a delação, a lei assegura aos potenciais delatores (especialmente os não fumantes xiitas) as prerrogativas necessárias para iniciar uma verdadeira perseguição aos fumantes.
Tem algo mais fascista do que isso? Infelizmente, tem.

Atentem para o artigo 6º da lei antifumo:
Artigo 6º - Esta lei não se aplica: (...) III - às vias públicas e aos espaços ao ar livre; IV - às residências

Vias públicas? Residências?

Por que, diabos, a referência explícita a vias públicas e residências nessa famigerada lei? Se o objetivo era simplesmente “coibir” o fumo nos ambientes fechados, públicos ou privados, precisava explicitar no texto da lei que a proibição não se aplica a vias públicas ou residências?

Será que passou pela cabeça desses fascistas a possibilidade, remota que seja, de me proibir de fumar nas ruas ou em minha própria casa? Se não passou, por que fazer constar a “exceção” no texto da lei? Bastava dizer onde não pode, e pronto. Era bem mais simples, concordam?

Desconfio que não fizeram isso (omitir a “exceção”) para tentar de disfarçar a natureza totalitária e fascista da lei – o que é inútil, diga-se de passagem.

Como diz o governo no site criado especialmente para divulgar a nova lei, ela (a nova lei) “restringe, mas não proíbe o ato de fumar. O cigarro continua autorizado dentro das residências, das vias públicas e em áreas ao ar livre”.

Continua autorizado, é? Até quando?

Renoir no Hermitage

Adoro Renoir. Entre todos os impressionistas, é o que mais me seduz. Amo o traço sensível, e ao mesmo tempo marcante, de Renoir. Mas amo, sobretudo, as cores de Renoir! Como não posso comprar um quadro desse grande pintor, me “contento” (ou melhor, me dou por feliz, uma vez que poucos têm esse privilégio) em apreciar sua obra nos museus que visito, no Brasil e no exterior. Ademais, sempre defendi que grandes obras de grandes artistas devem mesmo é ficar expostas em museus – e não escondidas em casas de colecionadores –, para que possam ser apreciadas por todos, ou quase todos, que gostam de arte.

Procuro compensar a sensação de “querer mais” (olhar, sentir, me emocionar...) ‘colecionando’ reproduções de obras de arte. Tenho várias em minha casa, espalhadas por todos os cômodos.

Em uma das paredes da sala, estão três reproduções de obras de Renoir. A maior delas, que ocupa lugar de destaque, é de “Jeunes filles au piano” – lindíssima, que não canso de apreciar. Até pouco tempo atrás, porém, não fazia idéia de onde poderia estar exposta a obra original.

Eis que, ao percorrer um dos intermináveis corredores do majestoso Hermitage Museum, em São Petersburgo, à procura das obras de Rubens, dou de cara com “Jeunes filles au piano”! Estava tão exausta, caminhando (e me deslumbrando) havia horas naquele imenso e magnífico museu, que demorou a cair a ficha. “Peraí, eu conheço esse quadro... ah, o 'meu Renoir'!” Fui uma das últimas pessoas a deixar o Hermitage naquele dia. E voltei, dois dias depois, para tentar ver o que não havia conseguido. E acho que ainda não vi tudo (o acervo é gigantesco e maravilhoso!). Eu voltarei, com certeza.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Noites brancas

“Era uma noite maravilhosa, uma dessas noites que apenas são possíveis quando somos jovens, amigo leitor. O céu estava tão cheio de estrelas, tão luminoso, que quem erguesse os olhos para ele se veria forçado a perguntar a si mesmo: será possível que sob um céu assim possam viver homens irritados e caprichosos?” (Noites Brancas, de Fiodor Dostoievski)

As “noites brancas” de São Petersburgo, na Rússia, são célebres. Durante duas ou três semanas, no verão (final de junho, início de julho), o sol não chega a se pôr completamente, causando uma atmosfera onírica. No solstício de verão (22 de junho), o dia dura mais de 18 horas: o céu durante a noite não chega a escurecer e a cidade, como um fantasma, passa algumas horas entre duas luzes.

Estive em São Petersburgo – ou simplesmente “Peters”, como dizem os russos – na primavera ainda gelada de 2009, com a temperatura oscilando entre 3 e 10 graus negativos (muito frio, mas nada que algumas doses da excelente vodka russa não resolvam), e fiquei encantada com a atmosfera fantasmagórica das noites dessa belíssima cidade, onde viveu e morreu meu querido Dostoievski. Tornarei a falar dela (a cidade) e dele (o escritor) neste espaço. Há tanto o que contar (e compartilhar)...

A foto que ilustra o blog (da Nevsky Prospekt, principal avenida de São Petersburgo) foi tirada em 10/04/2009 por volta das 23 horas. Uma prévia das “noites brancas”... em plena primavera russa!

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Do gueto para o campo de concentração

A volta das freiras feias

Luiz Felipe Pondé (Folha de S.Paulo 24/08/2009)

HÁ DIAS escrevi no caderno Cotidiano desta Folha um artigo cujo título era "Freiras Feias sem Deus" sobre a nova lei antifumo. Um mar de e-mails.

Volto ao tema hoje para aprofundar duas questões que julgo mais importantes neste debate. Uma delas se refere à imagem de uma freira feia sem Deus como metáfora dos fascistas amantes da nova lei. Por que freira, por que feia, por que sem Deus?

Outra questão, mais "séria", referia-se ao uso do termo "fascismo" para uma lei legitimamente votada num Estado democrático de direito. Como aplicar um termo advindo do universo totalitário ao campo da vida política democrática?

Eu sei, caro leitor: quem é afinado com o debate da filosofia política contemporânea sabe que a suposição de que a democracia seja imune ao fascismo não passa de mera ignorância.

A democracia atual, com suas intenções de corrigir o comportamento do cidadão (elevando-o à categoria de agente moral), pelo contrário, bebe muito na inspiração fascista.

A referência da "freira" aqui é simbólica, é claro. "Freira" remete à figura da mulher religiosa maníaca pelo controle das paixões e dos desejos, uma espécie de fiscal da virtude e do pecado. Ela ama castigar o pecador enquanto se olha no espelho e vê sua face como sendo a do espírito puríssimo. Não muito distante do não fumante militante que, ainda que não confesse, vê o fumante como um lixo da humanidade, alguém que tem prazer em se melar com a morte.

"Feia" é a figura da deformação interna da alma advinda desta fiscalização orgulhosa. Goza a noite em seu quartinho abafado, com a ideia de que, finalmente, aqueles que ela detesta serão humilhados. Como ratos que se escondem no escuro pra respirar seu ar doente.

"Sem Deus" é uma referência mais sofisticada. A relação entre a luta contra o pecado e o vício, por um lado, e Deus, por outro, implica a noção de piedade. Deus é uma ideia que traz em si um abismo no qual miséria humana e misericórdia divina se encontram.

Uma freira feia sem Deus é terrível porque a única coisa que ela deseja é a violência legal como controle total do pecador, sem amor algum pelo infeliz. Ao pecador resta apenas a miséria e a vergonha.

Já o fascismo é, no fundo, uma religião civil e não um tipo específico de política ou governo. Manifesta-se como um governo cuja autoimagem é a de um agente moral na sociedade. Agente este movido pela fé em gerar melhores cidadãos, por meio do constrangimento legal e científico dos comportamentos.

Na democracia, o fascismo ainda é mais perigoso porque tende a ser invisível. Esta invisibilidade nasce da ilusão de que a legitimidade pelo voto inviabiliza o motor purificador do fascismo. Pelo contrário, a própria ideia de "maioria" ou de "vontade do povo" trai a vocação fascista.

O fator saúde, seja pessoal, seja do planeta, seja da sociedade, sempre foi uma paixão fascista -isto já é largamente conhecido. A própria noção de progresso como saúde social canta hinos fascistas.

Perguntará o leitor: mas se for assim, não tem solução! Sim, tem, basta o governo ser mais cético com seus impulsos de purificação do mundo e se ater a sua condição de "síndico" da sociedade e não de reformador. A ideia de uma sociedade "saudável" já é fascista. O estado moderno tem em seu DNA a vocação ao fascismo.

Outro veneno é a associação com a ciência. Aqui tocamos o fundo do poço. Só idiotas, ou fascistas confessos, mesmo que mentirosos, creem em verdades científicas como parceiros éticos.

A rejeição de comportamentos construída via argumento científico tem a seu favor do ponto de vista do fascista a segurança de que ela é inquestionável. E se a "ciência" tivesse provado que os judeus eram mesmo seres inferiores e eticamente poluidores do mundo, seria correto exterminá-los? Ou pelo menos confiná-los?

Imagine, caro leitor, se em alguns anos "a ciência descobrir" que fumantes e ex-fumantes emitem partículas cancerígenas pela respiração. Claro que esse "a ciência descobrir" pode significar uns quatro ou cinco trabalhos financiados por lobbies contra os fumantes. Como proceder?

Arrisco dizer que nossas freiras feias sem Deus proporiam campos de concentração para os fumantes. Assim garantiríamos um ar sempre puro. A inspiração fascista da modernidade é resultado da secularização do cristianismo e seu desejo de perfeição. Pena que só sobraram as freiras feias e sem Deus.

Gueto de Varsóvia

Com os judeus, começou assim. Primeiro, foram despidos de seus direitos individuais e civis, proibidos de exercer a profissão, limitados em seu direito de ir e vir, expulsos de universidades, agredidos, forçados a entregar ou vender empresas e propriedades... Depois, todo mundo sabe o que aconteceu. Estamos indo para o mesmo caminho?

Em viagem à Polônia, visitei o que sobrou do abominável “Gueto de Varsóvia”. Tristes escombros!

Pelo direito de fumar


Sou fumante, e fumante inveterada. Há décadas. Se quisesse, abandonaria o cigarro. Mas não quero; pelo menos não por enquanto. Adoro fumar! O cigarro me proporciona um prazer imenso. Para mim, fumar é mais do que um mero vício; é opção!

Naturalmente, conheço os riscos associados ao cigarro – que, aliás, não são muito maiores que os riscos associados à má alimentação, ao estresse, ao trânsito, à poluição, à violência urbana... Tudo isso mata, tanto quanto o cigarro. Ou talvez até mais. Não disponho de estatísticas no momento (vou levantá-las), mas algo me leva a crer que, em São Paulo, onde vivo, o trânsito e a violência urbana matam mais do que o cigarro. E a poluição ambiental – seja na capital, seja no interior (que o digam os moradores das regiões onde se planta cana de açúcar) – pode provocar tantos problemas respiratórios como o cigarro. Prova disso é que os pronto-socorros da capital e do interior vivem abarrotados de crianças com problemas respiratórios (e note-se que nem todas têm pais fumantes ou sequer convivem com fumantes).

Voltando à questão inicial, não só conheço como assumo os riscos associados ao cigarro. Sou maior, vacinada e dona do meu próprio nariz. Mas sou uma pessoa consciente e, como tal, não quero impor meu cigarro (e a fumaça que ele produz) a ninguém. Respeito o direito de quem não fuma – desde que respeitem o meu direito de fumar. Tanto que achei fantástico, anos atrás, quando instituíram áreas de fumantes e não fumantes em bares e restaurantes. Pensei: “Pronto, agora vou poder fumar tranqüila sem incomodar (e ser incomodada por) ninguém”. Desde então, me acostumei a esperar (horas até) por uma mesa na sempre concorrida área de fumantes. Para poder comer, beber e fumar em paz. Nem sempre conseguia, é verdade. Invariavelmente me deparava com algum não fumante xiita na área de fumantes torcendo o nariz para a fumaça do meu cigarro (não fumante xiita é uma “espécie” tão estressada que não consegue – ou conseguia – esperar por uma mesa na área reservada a ele, e ia se sentar junto aos fumantes).

Mas tudo ia bem até essa versão paulista do “Grande Irmão” de George Orwell declarar guerra ao fumo (e ao fumante), com uma lei de natureza absolutamente totalitária, que invade a privacidade do cidadão, passa por cima de uma lei federal (que determina a separação de ambientes entre fumantes e não fumantes e autoriza a existência de fumódromos) e ainda estimula a delação!

Objeto da fúria sanitarista (higienista) e persecutória desse hipocondríaco com cara de doente (ou, como escreveu José Simão, numa tirada fantástica, com cara de quem fuma crack escondido no banheiro da rodoviária... rs) e de seus seguidores, o fumante tornou-se um pária. Hoje, só podemos fumar em casa ou na rua. A continuar assim, em breve não nos permitirão fumar mais nem nas ruas!

Hoje é o cigarro; amanhã, a carne de porco; e depois, quem sabe? Talvez a própria liberdade de expressão... Já vimos esse filme antes!

domingo, 23 de agosto de 2009

Smoking

Regresso a 1933 (ou um péssimo presságio)

Até tu, São Paulo?

por João Pereira Coutinho (Folha de S.Paulo de 18/08/2009)

A SÉRIE "Mad Men" ainda não estreou no Brasil. Lamento. Melhor é impossível. "Mad Men" é o retrato perfeito dos publicitários da Madison Avenue na Nova York sofisticada de 1960. Mas é mais do que isso. Um fresco sobre a grande transição americana: do aburguesamento dos "fifties" à contracultura dos "sixties". Do tédio à lixeira.

Um pormenor, porém, não deixa de causar espanto entre os filistinos: o fumo. Em "Mad Men", toda a gente fuma com uma naturalidade que nos parece herética. Dentro dos edifícios, fora dos edifícios. Mães, pais. Patrões. Empregados. E médicos, é claro, a começar por um ginecologista que segura o cigarro com uma mão e faz o exame com a outra. Equilibrismo puro.

Tanto fumo não deveria espantar. Pessoalmente, ainda recordo o tempo heroico em que o meu avô me levava ao cinema e fumava, em plena sala, do princípio ao fim.

E, historicamente, "Mad Men" está na viragem. Em 1950, Richard Doll publicava o primeiro grande ensaio científico sobre a relação direta entre fumo (ativo) e doença. Só em 1970 chegou o mito do "fumo passivo". Digo "mito" e digo bem. Ainda está para aparecer o primeiro estudo cientificamente rigoroso capaz de mostrar uma relação sustentada entre "fumo passivo" e câncer.

O que não significa que não existam estudos sobre essa hipótese. Christopher Booker, um especialista sobre as nossas histerias modernas, normalmente lembra dois. Os maiores e mais recentes. O primeiro foi realizado pela Agência Internacional para a Pesquisa do Câncer, da Organização Mundial de Saúde. O segundo foi dirigido, durante 40 anos, por James Enstrom e Geoffrey Kabat para a Sociedade Americana de Câncer através da observação de 35 mil não fumantes que conviviam diariamente com fumantes. Resultados? Repito: um mito é um mito é um mito.

Mas a ideologia é a ideologia é a ideologia. De vez em quando, afirmo que alguns traços nazistas sobreviveram a 1945. Sou insultado. Não respondo. Basta olhar em volta para perceber que algumas das nossas rotinas médicas mais básicas teriam agradado ao tio Adolfo e à sua busca de perfeição terrena. Exemplos? Certas formas de eugenia "respeitável", praticadas por milhões de pessoas quando recebem uma má ecografia. Ou a demonização absoluta que o fumante moderno conhece nos Estados Unidos. Na Europa. E agora, hélas, em São Paulo.

Leio a legislação antifumo do Estado de São Paulo e reconheço a natureza totalitária dela, novamente dominada por uma ideia iníqua de perfeição física.
Tudo começa pela elevação da mentira a dogma: o dogma de que "fumo passivo" é um perigo fatal para terceiros. O dogma não é apenas fantasioso; é também perigoso, porque estabelece de imediato uma divisão moral entre os agentes da corrupção (os fumantes) e as vítimas inocentes (os abstêmios). É só substituir "fumante" por "judeu"; e "abstêmio" por "ariano" para regressar a 1933.

E regressar a 1933 é regressar a um mundo que desprezava a liberdade individual com especial ferocidade. A lei antifumo cumpre esse propósito. Proibir o fumo em lugares fechados, como bares ou restaurantes, é um ataque à propriedade privada e à liberdade de cada proprietário decidir que tipo de clientes deseja acolher no seu espaço. O mesmo raciocínio aplica-se aos clientes, impedidos de decidir livremente onde desejam ser acolhidos.

Mas o melhor da lei vem no policiamento. Imitando as piores práticas das sociedades fechadas, a lei promove a delação como forma de convivência social. Por telefone ou pela internet, cada cidadão é convidado a ser um vigilante do vizinho, denunciando comportamentos "desviantes". Isso não é regressar a 1933. É, no mínimo, um regresso à Rússia de 1917. Se juntarmos ao quadro uma verdadeira "polícia sanitária" que ataca à paisana, é possível concluir que o espírito KGB emigrou para o Brasil.

Finalmente, lembremos o essencial: os extremismos políticos só sobrevivem em sociedades cúmplices, ou pelo menos indiferentes aos extremistas. Será São Paulo esse tipo de sociedade?

Parece. A última pesquisa Datafolha é sinistra: a esmagadora maioria dos paulistas (88%) aprova a lei antifumo. Só 10% se opõem a ela. Só 2% lhe são indiferentes. Mais irônico é olhar para os fumantes: depois de anos e anos de propaganda e desumanização, eles olham-se no espelho, sentem o clássico nojo de si próprios e até concordam com a lei (77%). Razão tinha Karl Kraus quando afirmava, na Viena de inícios do século, que o antissemitismo era tão normal que até os judeus o praticavam. Péssimo presságio.

A arte de fumar


Desconfia dos que não fumam; esses não têm vida interior, não têm sentimentos. O cigarro é uma maneira sutil e disfarçada de suspirar

Mario Quintana, em “Arte de fumar