sábado, 17 de outubro de 2009

Memórias cubanas

Como já mencionei em outro 'post', minhas viagens sempre seguem um roteiro histórico-etílico-religioso, não necessariamente nessa ordem. Cuba, onde estive há quinze anos, foi uma exceção. Não visitei igrejas ou quaisquer outros templos religiosos. Em compensação, conheci escolas e hospitais, levada por meus amiguinhos cubanos: três estudantes, com idade entre 10 e 12 anos, que se ofereceram para me "guiar" pelas ruas de Havana em troca de sorvete e outras guloseimas (e da "antecipação" dos capítulos da novela brasileira então exibida em Cuba... rs). Por que escolas e hospitais? Porque ali, segundo eles, estava o verdadeiro sentido da Revolução: educação e saúde de qualidade para todos!

Eu não poderia ter escolhido "guias" melhores. Nos três ou quatro dias que estivemos juntos, sempre no período da tarde, após as aulas, aprendi muito com aqueles meninos... Em certa ocasião, enquanto caminhávamos por Havana, senti sede, e os convidei para um refresco no bar de um hotel próximo de onde nos encontrávamos. Quando estava fazendo o pedido para o garçom (uma cerveja para mim e um refrigerante para cada um deles), o mais velho dos meninos me interrompeu e disse que um único refrigerante bastaria para os três, aparentemente preocupado com o "gasto excessivo" que eu teria. "Estamos acostumados a dividir", afirmou o garoto, ao que respondi: "Entendo, mas hoje não é necessário dividir". E fiz sinal ao garçom para que trouxesse os três refrigerantes. Quando estava indo embora, o garçom comentou que, no sábado seguinte (era uma quinta-feira), haveria uma festa para as crianças na piscina daquele hotel e que, se eu quisesse, poderia levar os meninos, mediante o pagamento de uma taxa, equivalente ao valor de um lanche. Os olhos dos meus jovens amigos brilharam; eles nunca haviam nadado em uma piscina! Combinamos que, se os pais deles permitissem,    eu os levaria à festa.

No dia seguinte, um deles telefonou para avisar que poderiam ir e que me encontrariam no sábado de manhã, na porta do meu hotel. No sábado, no horário combinado, lá estavam os três, à minha espera. Em suas sacolas de pano, carregavam calções de banho e toalhas. Fomos para o hotel da festa e, durante três ou quatro horas, eles se esbaldaram na piscina. De tempos em tempos vinham até minha mesa dizer que estavam muito felizes e para agradecer pela diversão. Quando o garçom trouxe o lanche (que fazia parte do "pacote" da festa), presenciei uma das cenas mais comoventes de minha vida. Um dos meninos pegou metade de seu lanche (um misto frio de presunto e queijo) e embrulhou num guardanapo. "Você não está com fome"?, perguntei. "Sim, estou. Mas vou levar esse pedaço para meu irmão, ele nunca comeu pão com presunto!" Tive vontade de chorar, mas me contive. E entendi naquele momento por que dias antes, ao passear pelo Malecón, meus jovens guias me fizeram mudar de calçada quando nos aproximamos da Embaixada dos Estados Unidos. Eles perdoavam tudo, menos o maldito embargo econômico! Por onde andarão aqueles meninos?

Nenhum comentário:

Postar um comentário